sábado, 13 de setembro de 2008

O passado que vive em mim


O passado que vive em mim
José Pedro Goulart - De Porto Alegre (RS) - 12/09/2008

Os primeiros pêlos pubianos que vi na vida foram numa tela de cinema. Acho que eu tinha uns 12 anos. Diga-se que no início dos anos 70 as coisas eram bem mais difíceis do que agora. Naquele tempo tudo era proibido. Eu bem que tinha chegado perto de uma Playboy americana, mas o Paulinho, baita abobado, deixou cair a revista, na aula de português, bem na minha hora de ver.
Fui parar no gabinete do diretor, a revista na mesa como prova, a dois metros de mim. Fechada, enclausurada, que segredos guardaria? Quase cometi uma loucura e a abri ali mesmo, diante do diretor, da professora, do Paulinho, de Deus, mas me segurei. A lembrança da cinta da minha mãe venceu o desejo. Caráter é isso.
Nessa época eu tinha um herói. Não era o Batman, o Super-Homem, o Jorge Luis Borges e muito menos o José de Alencar. Meu herói era o porteiro do cinema Rosário, parte da tarde. Magro feito fósforo, cigarrinho no canto da boca e sem queixo. Se a gente botasse o dinheiro do ingresso do cinema na mão dele, ele usava todos seus superpoderes para que entrássemos escondidos e subíssemos para o mezanino supostamente fechado. Uma vez por lá, a gurizada mergulhava no maravilhoso universo do filme proibido para menores.
Tudo estaria certo não fosse a maldita censura. Bunda só de lado. Seio, um de cada vez; nunca os dois juntos. E bem, o resto nem pensar. Mas aí mesmo é que eu pensava. Como é que seria? Tenho certeza que aquilo me fez virar o obsessivo que hoje sou. Eu também deveria ganhar indenização pelos abusos da ditadura.
As sessões eram segundas, quartas e sextas. Eu ia sempre na segunda. Mas não naquela semana. Nem lembro por quê. Quando foi terça-feira o Gilberto entrou gritando antes da aula: "Aparece sim! Aparece sim!"
Eu digo a vocês, aqui em confidência, que eu tremi antevendo a questão em questão. E o Gilberto confirmou, "a Bisteca aparece pelada!!". A Bisteca, na verdade, era o nome de uma personagem da novela Cavalo de Aço.
"De frente?" Disse eu num fiozinho de voz.
E ele, exibido, se achando, encheu a boca: "De frente". Sofri calado, de frente... Eu não merecia aquilo. Era eu o cara que tinha descoberto a trama toda com o porteiro. Que ia sempre nas segundas. Eu não merecia ter ficado para depois.
Chegou o depois, a quarta-feira, e eu sem dormir. E quem é que NÃO estava lá, no cinema Rosário? Quem? Adivinhão, ele mesmo, o porteiro sem queixo. De modo que tive que ficar sem dormir mais dois dias para então, na sexta, finalmente poder assistir a Cassy Jones, o Magnífico Sedutor. Estrelado pela Sandra Bréa, pelo Paulo José, pela Bisteca e os pêlos pubianos da Bisteca. Fiquei mais um dia sem dormir.
Por que eu me lembrei dessa história? Talvez porque, como disse o Paulinho da Viola certa vez, não é que eu viva no passado. É o passado que vive em mim.

José Pedro Goulart é cineasta e jornalista.

4 comentários:

Toninho Moura disse...

Ô sôdade desse tempo que não volta mais.
Tempo que nos ensinou a imaginar.
Braços!

Ana disse...

Será que não era melhor, assim?
Sem ser explícito, escancarado, desvendado, sem mistérios??

Sei lá...

Eurípedes disse...

Cada vez mais tenho convicção que era muito melhor assim: cheio de mistérios e sutilezas.
Naquele tempo de Primário, Ginásio e Colegial tinha tanta imaginação e fantasia que o casamento foi minha saída prá preencher tanta vontade e curiosidade. Mas não preencheu tudo não...

Ana disse...

Se para os rapazes era complicado, imagine para as meninas!

Era paralizante!

Nesse sentido as coisas mudaram para melhor: mais informação.

Mas falta o romantismo, o cuidado, o romance...